A moda pode ser arte? Ou será que pode substituí-la? Estaria morta a arte? Questionamentos do tipo rondam qualquer debate iniciante sobre a indústria da moda e o estado das artes do século passado em diante. Uma coisa, no entanto, é certa: o assunto rende e está longe de gerar um consenso.
Ainda na primeira metade do século XX, os filósofos da Escola de Frankfurt estudaram o fenômeno da Indústria Cultural. Na visão pessimista deles, a lógica capitalista trataria a arte como um produto massificado e, assim, apagaria o que a cultura popular e a cultura erudita tinham de melhor. A provocação foi essencial para o debate sobre a arte contemporânea. Mas o fato é que a tal “indústria cultural”, por mais artistas genéricos que tenha empurrado goela abaixo do público, também foi a mesma que também possibilitou a existência de fenômenos como os Beatles, o hip hop e a atual “era de ouro” da televisão americana — só para citar algumas coisas incríveis que vêm na minha cabeça.
Ainda no meio do século XX, artistas plásticos americanos conseguiram dar uma resposta magistral à questão da massificação da cultura. Foi assim que surgiu a pop art de Andy Warhol e Roy Lichtenstein, que ao invés de lutar contra o caráter mercadológico da arte, soube se incorporar a ele. Irônico e perspicaz ao seu tempo, Warhol elevou elementos banais e do cotidiano a peças dignas de atenção em um museu.
Mas e a moda? Ao mesmo tempo em que os avanços industriais tornaram o vestuário mais banal do que nunca, o último século também permitiu a ascensão da figura do estilista. Mais do que vestir damas e cavalheiros da alta sociedade, o estilista virou também um provocador. Um homem ou mulher de visão, capaz de criar objetos de imenso apelo estético e de questionar as nossas certezas sobre o que é aceitável ou não. Ora, não é tudo isso que um bom artista deve ser capaz de fazer? Coco Chanel e Cristóbal Balenciaga, só para citar dois dos maiores, que o digam. Ao mesmo tempo, não dá para esconder: o objetivo de uma grife sempre será vender roupa.
Mesmo assim, levou algum tempo até a moda ser aceita no museu pelo valor estético de suas próprias peças, do que apenas como lembrança histórica de uma determinada época. Atualmente, no entanto, é fácil encontrar grandes exposições sobre o assunto em museus de prestígio. O Metropolitan Museum, em Nova York, conta com o Costume Institute, que agora leva o nome da editora da Vogue americana, Anna Wintour. Em Paris, a exposição mais falada do momento comemora os 70 anos da Dior, no Musée des Arts Décoratifs. Já em Londres, há uma das maiores referências no mundo sobre o assunto, o Victoria & Albert, que faz atualmente uma retrospectiva de Balenciaga.
Do outro lado da ponta, não é de hoje que designers aprenderam a beber na fonte das artes visuais para compor suas criações. Ainda nos anos 60, Yves Saint Laurent resolveu vestir as mulheres com as obras do modernista Piet Mondrian. E não precisamos ir longe: esta semana mesmo, na São Paulo Fashion Week, a modernista brasileira Tarsila do Amaral inspirou a Osklen, enquanto Lenny Niemeyer levou o geometrismo de Hilma af Klint e Emma Kunz para a sua moda praia.
Ao mesmo tempo, grandes maisons como a Louis Vuitton não se cansam de lançar colaborações com artistas como Jeff Koons e Takashi Murakami. O apelo visual dessas parcerias, definitivamente, é irresistível, assim como o apelo mercadológico. Mas levanta de novo as dúvidas iniciais. Será que uma bolsa de grife pode ser realmente tratada como arte só por que leva o toque de midas desses artistas? Difícil não encarar essa pergunta com uma boa dose de ceticismo.
O post foi modificado em: 6 de setembro de 2017 18:56
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