Ela tinha talento, tinha dinheiro, tinha personalidade. Ela só não tinha quem secasse suas lágrimas e, por isso, sentia como se não tivesse nada. No fundo somos todos um pouco Amy Winehouse.
Na plenitude dos seus 20 anos de idade, a voz de Amy Winehouse já era poderosa como a de Sarah Vaughan. Com influências do jazz, soul e R&B, lá das décadas de 50 e 60, brilhou no cenário da música pop em 2007. Num mundo onde todos buscavam o “novo”, trouxe o “velho” como uma novidade. Falou de amor, mas todas as suas músicas nos fizeram chorar. E subiu ao ponto mais alto da carreira para, em segundos, cair.
O primeiro álbum, Frank, não ganhou os gostos do público, então o sucesso de Amy veio mesmo só em 2007, com o lançamento de Back to Black. APENAS nesse mesmo ano e no início do ano seguinte ela conseguiu:
Mas, ao mesmo tempo em que todas essas vitórias se acumulavam, sua saúde física e mental decaía. Ainda sofria por causa de um terrível relacionamento. Perdia peso descontroladamente para a bulimia. Sofreu abuso da imprensa, tendo de suportar uma enxurrada de críticas e quase nada de acolhimento. Até ordem jurídica contra paparazzi conseguiu.
Compensava sua ansiedade e angústia com drogas. Bebia mais do que seu organismo frágil aguentava. Chegou a ser diagnosticada com um estágio inicial de enfisema pulmonar. Tentou ir para a reabilitação várias vezes, desistindo várias vezes, muitas delas para retomar a carreira.
Subiu em palcos sem nenhuma condição de subir. Deixou palcos sem terminar a apresentação. Até vaias recebeu em Belgrado e, quando tentou fugir, foi obrigada por seus seguranças a ficar.
No trecho de seu último show antes de morrer, em Belgrado, percebemos um ser humano pedindo ajuda. Implorando por um ombro. Mas as pessoas não queriam isso, todos estavam buscando as últimas gotas de talento que Amy nos deixaria. Depois de tudo isso, ainda houve quem a criticasse por nos deixar.
Sim, assombroso é a palavra certa. “Grande” é pouco, “admirável” é pouco. Amy não tinha o tipo de personalidade que você olha e fala “ah, legal”, mas sim “meu Deus”.
Era aplaudida mesmo quando mal conseguia formular frases. Porque ela era boa. As pessoas se preocupavam com ela, queriam que se recuperasse, mas o que mais queriam mesmo era ouvir Amy cantar. Queriam que a música não acabasse. A função repeat é fundamental quando se escuta Amy Winehouse.
Assim como Kurt Cobain, foi um sopro de renovação num cenário musical pop já bastante cansativo. Em apenas 5 anos, mudou completamente o que a indústria da música considerava “rentável”. R&B não vende mais? Soul não vende mais? Vocal feminino vende menos? Vamos ver.
Antes dela, grandes premiações eram dominadas por homens. Adele, Lady Gaga, Lana Del Rey e tantas outras artistas são gratas a ela. Amy abriu uma enorme clareira para as mulheres que lutavam para brilhar no ramo musical. Até porque convenceu a muitos que não existe uma “fórmula” certa para vender música. A autenticidade foi muito mais bem aceita depois dos padrões que Amy quebrou.
I cheated myself
Like I knew I would
I told you I was trouble
You know that I’m no good
Ela era tão boa, mas tão boa, que conquistava o público com as palavras mais dolorosas. Nos fazia perceber o lado bonito do amor falando sobre o ruim. Colocava seus defeitos sob um holofote, por piores que fossem, porque olhar pra eles é melhor do que fingir que não estão lá.
Esse foi outro padrão quebrado por Amy: a ideia de que músicas bonitas vendem mais. Ela virou essa ideia de cabeça pra baixo, começando pela pergunta: “o que é uma música bonita?”. Back to Black é uma música linda, basta deitar a cabeça um pouco para o lado.
Não há muito lugar para palavras doces, esperançosas e românticas no álbum Back to Black. O romantismo está lá, mas de mau humor. Amy nos ensinou que a tristeza e a melancolia têm de ser aceitas com naturalidade.
“… I am a very romantic person. I don’t mean romantic in a flowers and chocolates kind of way. It’s more like if it’s raining, I’ll go up to the window and press my nose against the glass and sigh at how beautiful it all looks.” – Amy Winehouse, The Irish Times, 2006
A verdade nua e crua das músicas de Winehouse não eram confortáveis. Incomodavam, entristeciam, mas, ao mesmo tempo, libertavam muita gente da obrigação de dizer “está tudo bem”. Às vezes não está e precisamos falar sobre isso.
Você já se sentiu sozinho? Com vergonha de mostrar suas fraquezas? Abriu um sorriso para que não notassem a vontade de chorar? Respondeu um “tudo bem” só para não ter de explicar?
Amy não fazia isso em suas músicas. Cantava sem medo de falar sobre sentimentos profundos, duros, difíceis e autocríticos. Eu traí a mim mesma. Sei que não sou boa. Não, não vou pra reabilitação, porque a bebida não vai curar o motivo que me leva a beber.
Amy era tão autêntica que não havia espaço para desonestidade consigo mesma. Era uma mulher inteira, que se despia para saber exatamente onde estava cada ferida. Mas o mundo não soube bem como lidar com isso.
Amy representa toda uma juventude talentosa que tenta sobressair num mundo moralista. Um mundo em que a maneira como você se apresenta importa mais do que todo sentimento que você oferece.
Quantos jovens de hoje são assim? Podados por sua própria autenticidade, inibidos por uma realidade dura demais para se moldar ao que é incomum?
Uma mulher maravilhosa, talentosa, poderosa, frágil e exposta num mundo que cobra demais e compreende de menos. Que a compreensão, então, comece por nós, para que não sejamos responsáveis por mais Amys.
Nós sabemos que você era boa. Era realmente boa.
[easy-tweet tweet=”No fundo somos todos um pouco Amy Winehouse.”]
Qual a mensagem mais poderosa que Amy Winehouse deixou para você? Conte aqui nos comentários.
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