A semana foi quente para a moda brasileira. Terminou a 44ª edição da Semana de Moda de São Paulo, a SPFW N44. Evento mais importante do gênero do país, a SPFW desta edição foi feita completamente dentro do formato “see now, buy now”. Isso significa que o que foi apresentado na passarela não vai levar mais longos meses para chegar nas lojas, como acontecia anteriormente. Mais veloz, o ritmo do novo calendário impõe que as marcas apresentem o que é desejo imediato, ao invés de fazer previsões para o futuro. Mas vamos recapitular o que teve.
Abaixo a ditadura da idade
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A indústria da moda sempre foi obcecada pela noção de juventude. Recentemente, no entanto, a hegemonia de modelos ainda adolescentes ou na casa dos seus vinte anos tem sido questionada. A geração das supermodelos dos anos 90, como Naomi Campbell e Kate Moss, é em parte responsável por isso, afinal, elas nunca deixaram de vez os holofotes. Lá fora, a Bottega Veneta, epítome do luxo, comoveu no ano passado ao pôr na passarela a lendária modelo Lauren Hutton, de 73 anos, de braços dados com Gigi Hadid, de 22, símbolo dos millenials. Portanto, não causa surpresa que nesta SPFW idosos tenham aparecido nos desfiles de Uma Raquel Davidowicz, Ronaldo Fraga e Gloria Coelho. Taí uma decisão que a gente torce para ser mais do que tendência.
SPFW N44 – É hora de gritar mais alto
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Em tempos turbulentos no país e no mundo, é de se esperar que a moda saiba responder à altura. Na SPFW, os desfiles mais comentados foram justamente o que trouxeram uma mensagem política junto e conversaram com as demandas do Brasil atual. Comandada pelos músicos Emicida e Evandro Fióti, a LAB, que fez sua estreia duas temporadas atrás, continua a dar um choque de realidade na semana de moda paulistana. Ao invés da atitute blasé e europeia que insiste em aparecer nos desfiles daqui, a LAB propõe levar as cores e shapes da periferia para a passarela. O casting da grife teve entre os destaques MC Carol, funkeira de Niterói, e o new face Leonan, morador do Complexo do Lins, no Rio de Janeiro.
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Outro desfile que emocionou foi o de Ronaldo Fraga. O estilista mineiro também apostou na diversidade ao levar pessoas comuns de diversas raças, idades e tipos físicos para o seu desfile. A espontaneidade, outra característica tão brasileira, foi vista com a decisão de simular uma praia no Parque do Ibirapuera. A fila A, sempre tão cobiçada, foi formada por cadeiras de pano. No fim, o estilista ainda apareceu com uma camiseta que protestava contra a tentativa do governo de Michel Temer de acabar com uma reserva mineral na Amazônia.
A era dos extremos
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Embora tenha ficado de fora do line-up da SPFW, é impossível falar dos desfiles desta temporada sem citar À La Garçonne. A grife de Alexandre Herchcovitch e seu marido Fabio Souza apresentou, no Teatro Municipal de São Paulo, uma coleção pautada por contrastes: vestidos rendados de festa se misturavam com peças definitivamente street, como camisas xadrez e jaquetas oversized. Um encontro, portanto, de masculino e feminino, streetwear e alta-costura, mainstream e underground.
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Da mesma forma, o estilista João Pimenta, craque da moda masculina, também investiu em oposições fundamentais. E promoveu um diálogo entre sagrado e profano ao mesclar peças em rendas brancas virginais com outras em vermelho ou de couro, descaradamente fetichistas. A iconografia religiosa pôs mais fogo ainda no desfile. Perfeito para tempos em que o discurso moralista e religioso tenta frear a liberdade sexual alheia.
No fim, só a arte liberta
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Se os tempos são conturbados, resta a arte para garantir a contemplação. A tendência artsy, forte há algumas temporadas, não ficou de fora desta edição da SPFW. Dois desfiles que sempre vale prestar atenção, Osklen e Lenny buscaram inspiração em mulheres transgressoras nas artes plásticas. A grife de Oskar Metsavaht resgatou Tarsila do Amaral, a maior pintora brasileira. E não teve pudor em ser literal ao transformar em estampa obras da estatura do Abaporu. Já Lenny Niemeyer mais uma vez conseguiu mostrar que é possível inovar mesmo que dentro das medidas reduzidas de uma roupa de banho. A estilista carioca partiu do abstracionismo geométrico das artistas Hilma af Klint (1862-1944) e Emma Kunz (1892-1963) para compor biquínis e maiôs capazes de hipnotizar. Apenas mais uma demonstração do encantamento que a moda é capaz de provocar.