Como é ser jovem? Certamente, o conceito de juventude pode mudar com o passar das décadas. Porém, uma coisa permanece: o nosso encantamento com aqueles que têm uma vida toda pela frente. Não é por menos, o que não faltam são livros, filmes e peças dedicados a desvendar o mistério que são os adolescentes. Mesmo assim, poucas obras foram tão impactantes como o filme Kids. Lançado em 1995, o longa-metragem de Larry Clark e Harmony Korine ainda é capaz de chocar e surpreender.
O filme Kids retrata uma nova geração perdida
No começo do século XX, o escritor americano Ernest Hemingway popularizou o termo geração perdida para se referir aos homens e mulheres traumatizados pela Primeira Guerra Mundial. No fim do século, uma outra juventude poderia ser facilmente rotulada como “perdida” por seus pais. Porém, ao invés do fardo da guerra, a chamada Geração X parecia levar consigo um estranho vazio. Fruto de tempos cínicos, pós revolução sexual, esse sentimento de incompletude, no entanto, poderia ser incrivelmente difícil de se carregar.
É exatamente esse espírito que o diretor Larry Clark e o roteirista Harmony Korine conseguem transmitir no filme Kids. O senso de apatia em relação ao mundo e a entrega despudorada às drogas e ao sexo: tudo o que adolescentes perdidos nos anos 90 faziam é exposto. Mas ao invés de fazer julgamentos de valor sobre a juventude, como era comum nos telejornais da época, a direção opta pelo papel de observador, expondo tudo da forma mais franca possível.
Talvez o mais chocante ainda fosse justamente a coerência do filme: para os papéis de adolescentes foram escalados… adolescentes. Parece óbvio, mas não é: afinal, para quem lembra dos filmes dos anos 80 e até mesmo dos primeiros tempos de “Malhação”, era mais fácil ver adultos fingindo ser crianças do que elas sendo elas mesmas. Foi exatamente o que uma das estrelas de Kids, Rosario Dawson, contou ao The New York Times para uma entrevista que comemorou os 20 anos do filme:
Os outros filmes sobre jovens, como ‘Curtindo a vida adoidado’, eram bobos e divertidos, mas com atores adultos. No nosso caso, eram crianças sendo crianças
Harold Hunter: o skatista que era o espírito de uma época
Exatamente como Rosario Dawson destacou, Kids teve como um de seus aspectos mais marcantes o fato de serem adolescentes na tela, mostrando tudo o que faziam quando os pais não estavam por perto. Os protagonistas do filme independentes, eram, logo, jovens desconhecidos do público. Mas alguns nomes, como o da própria Rosario, tornariam-se conhecidos depois. Os atores Chloë Sevigny e Leo Fitzpatrick somam-se ainda a essa lista. De toda forma, outro protagonista já fazia fama nas ruas de Nova York antes do filme: era o skatista Harold Hunter.
Quem foi Harold Hunter?
Criado em conjunto habitacional no East Village, Harold Hunter teve as suas habilidades com o skate reveladas para além de sua turma em um ensaio fotográfico publicado na revista Thrasher. Já com considerável street cred, Harold teve o seu personagem (que levava o seu nome) escrito especialmente para ele em Kids.
Sem nenhuma afetação e amado por todos que conviveram com ele, o skatista foi descrito assim por Harmony Korine, na mesma reportagem do NYT da qual Rosario participou:
Muito da essência e da alma do filme vêm dele. Ele não tinha medo de nada. Ele ficava pelas ruas, atuando, dando em cima das meninas ou tentando ganhar roupas
O skate de Harold parou de enfeitar as ruas de Nova York, infelizmente, em 2006: o americano foi encontrado morto no seu apartamento em 2006. Um ataque cardíaco, em decorrência de uma overdose de cocaína, foi a causa da morte. A memória do skatista, no entanto, ainda vive: a Harold Hunter Foundation, uma organização sem fins lucrativos, usa o skate como instrumento de mudança social. No fim, quem já sentiu na pele as dores da adolescência agora ajuda os garotos de hoje a terem uma vida empolgante, mas menos sinuosa.